Sobreviver corporativamente hoje e no futuro passa por entender que qualquer organização empresarial faz parte de um todo, que deve ser sustentável. Para que ela tenha sucesso, seu ambiente, formado pelo conjunto de seus stakeholders diretos e indiretos, deve ter sucesso e deve prosperar. O conceito de Sustentabilidade
Corporativa está embasado no “triple bottom line”, termo cunhado pelo cientista social inglês John Elkington, fundador da SustainAbility, reconhecida empresa especializada em aconselhamento de negócios sustentáveis, que estuda o assunto há mais de 30 anos.
A expressão “triple bottom line” reúne, simultaneamente, o resultado econômico-financeiro, o resultado social e o resultado ambiental – cada vez mais valorizado por acionistas e clientes, tornando-se um imperativo para o sucesso das corporações.
O lucro empresarial permanece imperativo, porém deve ser entendido como combustível para o alcance da missão das empresas. Ao mesmo tempo, a sociedade passa a exigir dessas empresas, principalmente as de capital aberto, que adotem a prática da transparência nos seus processos de governança corporativa e distribuição de riquezas.
Os consumidores, por sua vez, estão cientes de seu poder de transformação social e demandam responsabilidade das empresas no que se refere às questões sociais e ambientais. O novo cenário dita: é premissa pensar além das cifras; é preciso avaliar o que o mercado e seus stakeholders, o país e o mundo vão ganhar também.
Pensar assim também dá lucro. Baruch Lev conduziu, em 2006, o estudo “Is Doing Good, Good for You? Yes, Charity Contributions Enhance Revenue Growth” e concluiu que ações sócio-responsáveis e até filantropia e caridade, quando feitas com racionalidade e propósito estratégico, contribuem de forma efetiva no aumento da receita das empresas voltadas ao consumidor, como as de varejo e serviços financeiros.
Isso porque o consumidor reconhece a iniciativa, se identifica com ela e responde com lealdade e reconhecimento de marca. Já o colaborador responde com maior motivação, produção e capacidade de inovar – além de também ser mais leal. Em 2005, as empresas americanas doaram cerca de 14 bilhões de dólares para instituições de caridade – quase o dobro da década anterior. É um caminho sem volta.
Segundo Lev, isso é um tapa na cara para aqueles que pregam que a responsabilidade social corporativa é um desperdício de riqueza do acionista ou uma distração para o gestor. Entretanto, estudos da DOM Strategy Partners reforçam que empresas não são ONGs, portanto suas iniciativas de responsabilidade social devem ser pautadas por estratégia clara, ligada ao negócio da empresa (setor e core-business), com metas e gestão eficientes.
Veja o exemplo de ascensão e queda da Natura na Bolsa de São Paulo. Após uma entrada triunfante em 2004, com alta de 5,6% – de maio a dezembro suas ações tiveram valorização de 120% – a empresa viu, em três meses de 2007, suas ações caírem 21,62%. O resultado ruim foi atribuído à falta de lançamentos de impacto no período e a uma estratégia errada de preço baixo para kits de Natal – admitida mais tarde pela empresa – que confundiu o mercado e fez as margens de lucro caírem.
Já na visão da Goldman Sachs, banco de investimento e conselheiro financeiro, a competição e o investimento para sustentar o crescimento rápido dos anos anteriores (de cerca de 30% ao ano) ajudaram a explicar a perda de competitividade. Mas são muitos os analistas que afirmam que a empresa de cosméticos foi penalizada justamente por colocar a sustentabilidade à frente do negócio, ficando refém de promessas que não poderia cumprir. (“Com ações em queda, Natura tenta se reinventar para conter rivais” Patrícia Cançado, 21 setembro 2007, Estado de São Paulo)
O contrário também se aplica. Na década de 90, o caso da Nike, acusada de exploração de mão-de-obra na Ásia, foi muito divulgado – tema de mais de 1.500 artigos em jornais e colunas de opinião. O que se viu foram inúmeros protestos – na web e fora dela – de consumidores boicotando a marca. Estão entre os slogans do movimento internacional anti-Nike frases como “Just Don’t Do It” (Não faça isso) e Just Don’t (Não faça). Em outra manifestação, a entrada era cobrada: US$ 1,60, equivalente ao salário diário de um trabalhador da Nike no Vietnã.
A empresa, que sempre teve uma boa performance na Bolsa de Nova York, viu suas ações por lá despencarem 57%. Por quê? Reputação abalada. Seu logo, o onipresente “swoosh”, imediatamente ficou nublado e pesado, quando os vídeos da companhia explorando esse tipo de trabalhador fora dos Estados Unidos correram a Internet e os meios de comunicação em geral. Sua marca, ativo valiosíssimo para a empresa, ficou relacionada a fatos pouco exemplares.
Assim, para a Nike, investir em Sustentabilidade ou até mesmo RSC (Responsabilidade Social Corporativa) é construir um intangível de proteção de valor. E é fato perceber que depois do choque, a empresa tem concentrado esforços em recuperar sua imagem e reputação.
De um lado, a companhia aniquilou as práticas nefastas de gestão de produção; de outro, vem investindo em mídias não tradicionais, de aproximação de comunidades de influenciadores e consumidores (ex: corredores), mobilizando grupos, patrocinando eventos de nicho, amplificando blogs, entre outros. Com isso, a empresa vem conseguindo valorizar sua marca, investindo cada vez menos em propaganda tradicional.
Números da revista Advertising Age dão conta que em 2006 a marca gastou apenas 33% de seu orçamento americano de propaganda, de 678 milhões de dólares, nas chamadas mídias de massa (TV aberta principalmente). O resto foi espalhado em iniciativas como clubes de corrida, serviços de aconselhamento aos corredores, comunidades online e organização de provas. Para ganhar novos adeptos, a tática escolhida tem sido a experimentação.
Furgões recheados com mais de mil pares de tênis Nike circulam pela França, Inglaterra, Itália e Espanha, em lugares tradicionalmente freqüentados por corredores, convidando-os para experimentar os modelos. O objetivo é se aproximar do consumidor. E isso a empresa tem conseguido com um bônus: seu público-alvo está prestando atenção.
Aqui no Brasil, sua prova Nike 10, já é a maior do País na modalidade de 10 quilômetros – a de 2007, por exemplo, reuniu mais de 120 mil inscritos.
Segundo a Economática, a Nike valia, neste ano, quase quatro vezes o equivalente ao seu balanço contábil. O ranking de 2007 da Interbrand avaliou o valor da marca Nike em 12 bilhões de dólares e, certamente, está em seu modelo de atuação – e não na propriedade de fábricas ou estoques, já que toda sua produção é baseada na terceirização – o maior responsável por esses números.
Esse tipo de fenômeno é o que a jornalista americana Naomi Klein, autora do livro Sem Logo (Klein, Naomi. Sem Logo – A Tirania das Marcas em um planeta Vendido. Rio de Janeiro: Record, 2006), chama de “o protótipo de marca liberta do produto”. A empresa Nike foi “reduzida” à administração da marca “Nike”. Inovação, design, tecnologia e imagem são tudo o que interessa. Clemente Nóbrega tem razão. Reputação é tudo.
Outro caso semelhante é o do Walmart, que busca em sua cruzada pela sustentabilidade recuperar uma boa parte da reputação e da admiração perdidas em função da má-avaliação dos mercados de suas práticas comerciais.
A partir desses exemplos, podemos concluir que uma postura tri-sustentável genuína e reconhecida pela sociedade (diversos stakeholders) passa a ser tão importante quanto a excelência e o sucesso na atividade fim da empresa. Sua reputação, traduzida em sua imagem, é “quase” tudo o que a empresa tem no mercado. Uma marca bem cuidada ao longo dos anos vale mais do que qualquer ganho de curto prazo. Sustentabilidade afeta, de fato, o valor reputacional e o valor de mercado das empresas, para o bem e para o mal.